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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 17/05/2024 - Artigo de Opinião

Artigo: Razões para o fim da greve nas Universidades Federais

Artigo: Razões para o fim da greve nas Universidades Federais

 Texto escrito pelo professor Tadeu Alencar Arrais (IESA)


A nova proposta do Governo Federal anunciada dia 15 de maio merece debate sobre continuar ou não a greve

“O sobrevivente está sempre aumentando os méritos do morto para engrandecer a si próprio, seu par aos olhos do mundo, na estima dos outros e em sua própria estima”
(Jean-Paul Sartre. O idiota da família, p. 1106).

É no cultivo diário que a greve é reproduzida, assim como um conjunto de interrogações que frequentam os corredores universitários. Sabemos que é mais fácil escrever sobre as dúvidas do que respondê-las. Algumas dessas respostas, de partida, serão influenciadas pela posição contrária ao movimento e já exposta no texto “Reflexões sobre a greve nas universidades federais”, publicado no site A Terra é Redonda.

 O que mudou, então, no decorrer desse curto período de tempo para que, novamente, o convite para o debate seja renovado? A resposta é simples: a nova proposta do Governo Federal anunciada nessa quarta-feira, dia 15 de maio de 2024.  Insistirei em um ponto. Sendo a proposta, melhor que a primeira, não vejo motivos para continuar o movimento e defenderei, portanto, o final da greve docente. Essa postura, é oportuno lembrar, não exige nenhum tipo de coragem genuína. Nosso ambiente é fecundo para discussões e mesmo o erro, considerando a história da ciência e, especialmente, a história das doutrinas econômicas e políticas, possui uma eficácia histórica.

A primeira questão a ser pontuada resulta da relação entre a política de reajustes do governo Lula (2023-2026) e o quadro de perdas históricas dos docentes das universidades federais. Esse quadro de perdas, tradicionalmente, é mensurado a partir do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). O limite para o recuo temporal é o céu, podendo remeter aos gloriosos tempos, se é que existiram, de uma Universidade pública que não enfrentava os desafios da universalização e, portanto, pela ótica do governo, da expansão do custeio.

A dinâmica é relativamente simples. O que estiver acima do IPCA, resumidamente, implicará em aumento real em relação aos períodos pré-determinados nas mesas de negociações que podem evoluir, em alguns segmentos, até mesmo para os chamados dissídios coletivos. O Salário Mínimo, por exemplo, tem sido reajustado a partir do IPCA, acrescido do resultado do PIB (Produto Interno Bruto). O reajuste, esse ano, atingiu 6,97%, representando ganhos reais, segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), de 3% (DIEESE, 2024). O valor nominal do Salário Mínimo passou de R$ 1.320,00 para R$ 1.412,00. Esse é o valor recebido, todos os meses, por 17,2 milhões de beneficiários do INSS (INSS, 2024), especialmente aposentados e pensionistas.

A média de rendimento do mercado de trabalho formal, que empregava 48,7 milhões de brasileiros (RAIS-MTE, 2023), em dezembro de 2022, a depender do setor e da função, também não ultrapassa 1 Salário Mínimo, tal é o clássico exemplo das empregadas domésticas. Esse é um retrato sumário do mercado de trabalho. Esse é um retrato, igualmente sumário, do mercado de trabalho em que estão inseridos, se tiverem sorte, uma parcela significativa de nossas alunas e alunos. Não tendo sorte, sobrará para todos a informalidade e o desemprego. A universidade, afinal, não é uma abstração.

Figura 1. Síntese das propostas do Governo Federal, entre 2023 e 2026
Fonte: Fonte: GOV.BR (2023, 2024, 2024b)
*O valor do incremento dos auxílios (alimentação, creche e saúde) foi considerado a partir da soma dos maiores repasses, uma vez a idade e o valor do salário do docente influencia na variação dos benefícios concedidos.

 

Mirando, apenas, para o interstício do governo Lula (2023-2024) e admitindo, com esperança, que o Presidente termine seu mandato, temos, do ponto de vista da evolução das propostas, a situação descrita na Figura 1. Lembremos que o IPCA poderá registrar, entre 2023 e 2026, até 15 pontos e o reajuste linear, na primeira proposta, correspondeu ao acumulado de 18% para maio de 2026. Haveria, nesse caso, um ganho real linear, sem considerar o reajuste nos intervalos de classe e o aumento dos auxílios, a depender dos cálculos e projeções inflacionárias, entre 3% e 4,5% acima da inflação.

A segunda proposta se diferencia no reajuste linear que passou de 18% para 21,5%, o que significa, a depender das projeções inflacionárias, um aumento real entre 6,5% e 8% acima da inflação. Nessa proposta também há que se computar o reajuste de 4% para 4,5% nos intervalos de classe, além do incremento financeiro nos auxílios. É preciso pontuar que a conversão do incremento resultante do reajuste dos auxílios, nas classes iniciais, poderá representar um acréscimo de até 5%. A terceira proposta, apesar de reproduzir o reajuste linear da primeira proposta, parece mais razoável, por dois motivos: o primeiro refere-se ao aumento de 0,5% nos intervalos de classe e o segundo ao que podemos chamar, grosso modo, de agrupamento das classes iniciais.

A Figura 1, pode-se argumentar, é uma simplificação, uma vez que não estamos tratando de uma carreira linear e com vencimentos homogêneos no interior das classes. Essa é mais uma diferença em relação, por exemplo, ao tipo de política de reajuste do Salário Mínimo. Temos uma carreira docente mais conhecida, perdoem o tom jocoso, como uma sopa de letrinhas. Tem sido comum, nos calorosos debates, até mesmo comparações com o piso do Magistério do Ensino Básico.

Uma figura (Figura 2) divulgada, com o propósito motivacional, no início da greve, tinha como título “Defasagem do vencimento dos federais em relação ao piso dos professores”. A figura comparava a variação anual do piso dos professores da educação básica com a variação anual dos reajustes dos professores das federais, indicando um acumulado de 79,1% para os primeiros e 9% para os segundos. Em tom de quase deboche, uma observação aparece em destaque: “O piso nacional da Educação Básica precisava de uma melhoria, mas a defasagem dos servidores das Universidades Federais é muito grande”. Fora o paralelismo insinuado no argumento, não é preciso explicar quantos estados e municípios remuneram os professores, egressos de nossos bancos escolares, com o piso do magistério básico.

Mas é claro que existem diferentes níveis da carreira docente, traduzidos em distintas remunerações, entre um professor doutor dedicação exclusiva que ingressará amanhã, como adjunto, e um velho professor titular, como esse que escreve, que já registra em seu histórico funcional mais passado do que futuro na atividade docente. O debate sobre a carreira, os intervalos de classe, os conhecidos steps, não é periférico. Vejamos como as propostas do Governo Federal, na Figura 3, estão materializada nos vencimentos dos professores.

A classe dos Adjunto 1 é a parcela com menor remuneração e proteção previdenciária mais precária. As palavras paridade e integralidade não fazem parte do vocabulário desse grupo. O reajuste, considerando o valor nominal da classe inicial (entrada), era de 9,20%, na primeira proposta, 12,81% na segunda proposta e 31,2% na terceira proposta. O maior reajuste, na segunda proposta, era da classe titular, com 16,11% acumulados até 2026. A evolução das negociações, com os possíveis impasses, caminhou, de forma correta, para a valorização inicial da carreira.

A variação descrita na Figura 3 não considera, é preciso sempre lembrar, os 9% lineares concedidos em 2023. Então os reajustes acumulados, de acordo com a proposta divulgada em 15/05/2024, estão entre 43,1%, na classe agrupada de início, sendo o maior reajuste, e o reajuste para adjunto 1, equivalente a 23%, o menor entre as classes. Esses percentuais já consideram a projeção dos steps.

Os impasses nas mesas de negociações entre o Governo Federal e as entidades sindicais, representadas, especialmente, pelo Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) e pelo PROIFES, são históricos. São impasses positivos que compreendem concepções distintas de carreira e, portanto, de universidade. Desconfio, no entanto, que uma parcela significativa dos 121.155 docentes em exercício em instituições federais de ensino (INEP, 2022), estejam, infelizmente, afastados desse debate.

O pragmatismo, resultante de uma leitura da conjuntura política e econômica, nem sempre é negativo. A proposição de equiparação dos benefícios entre os três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo), divulgada na Contra Proposta do ANDES-SN, em 13/05/2024, merece aplausos. No entanto, submetida ao escrutínio da realidade orçamentária e da geometria do apoio legislativo, a proposta padece de expectativa de êxito. Imagino, igualmente, que a recusa na majoração em 0,5% dos steps,em função de uma recomposição linear, careça de maiores esclarecimentos.  A hipótese de que a redistribuição linear, caso o Governo Federal aceite, em algum momento, a conversão, prejudique as classes iniciais, é bastante plausível.

Toda essa situação descrita ainda mereceria uma incursão sobre o orçamento do Governo Federal, acompanhado de uma crítica, mesmo que tenha apenas o propósito de recordação, do ajuste fiscal adotado pelo Governo Lula, sob o comando do Ministro Fernando Haddad. Muito embora essa matriz neoliberal mereça, sobretudo em nossas práticas diárias, ser contestada, não há como negligenciar a evolução nas negociações. Desconfio que parte dessa abertura para o diálogo tenha relação com a presença da professora da UFRJ e ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck.

Outra incursão possível seria relacionar o embate econômico e orçamentário ao cenário do Rio Grande do Sul. Projeções do PIB, da inflação e dos gastos públicos serão alteradas. Não avançaremos, por pudor, nessa linha de raciocínio. Mas tem algo no ar que vai além da mesa de negociações e que precisa ser dito ou visualizado, como indicado na Figura 5.


Essa preocupação não é gratuita, uma vez que parte dos discursos favoráveis ao movimento grevista centram as energias nas questões estruturais da universidade pública. É como se fosse pecado admitir que o impasse é, sim, por salário. Passamos por tempos difíceis que exigiram esforço de todos para manter, com alguma sanidade, a rotina docente. Um daqueles momentos históricos, cada vez mais frequentes a partir de agora, que demarca o encontro entre uma crise sanitária e as diferentes insurgências políticas, dignas de romances como A Peste, de Albert Camus.

O encontro com os discentes de modo presencial, nesse momento de regularização do calendário acadêmico pós-pandêmico, era alentador e, ao mesmo tempo, preocupante. Cada um de nós, como funcionários públicos, devemos avaliar os motivos pelos quais as salas não estavam lotadas de alunas e alunos sedentos por conhecimentos próprios dos discursos, perdoem o romantismo, mais iluministas.

Das 9.443.575 matrículas no ano de 2022, no ensino superior brasileiro, como indicado na Figura 3, 7.367.080 foram privadas e 2.076.517 foram públicas. Apenas o conhecimento que o total de matrículas não presenciais da rede privada totalizou 4.148.677 já é motivo de muita angústia. Aqui vão duas interrogações que resultam, mais da inquietação cotidiana, do que da construção de hipóteses elaborada com erudição:

Será, de fato, que os problemas de infraestrutura e subfinanciamento são suficientes para afastar os jovens da Universidade Pública? Será, de fato, que o afastamento dos jovens da Universidade Pública não compromete nossa carreira e, também, o reconhecimento de sua importância para a sociedade brasileira?

Não podemos negligenciar que o desembolso financeiro para cursar graduações não presenciais, de qualidade questionável, é, frequentemente, menor que o custo de transporte, coletivo ou individual, de alunos e alunas trabalhadoras que ainda insistem, apesar das forças contrárias, em ocupar os bancos das universidades públicas. Diante do nosso calcanhar de Aquiles, que é a evasão, o zero por cento de reajuste em 2024 parece irrelevante.

*Tadeu Alencar Arrais é professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Referências


Analisa-UFG. Graduação. Docentes. Disponível em: https://analisa.ufg.br/p/32232-servidores

Banco Central do Brasil. Metas para a inflação. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/metainflacao

GOV.BR. Primeira Proposta do Governo Federal. 22 de dezembro de 2023. Disponível em: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/noticias/2023/dezembro/governo-oficializa-proposta-de-reajuste-salarial-para-os-servidores-publicos-federais

GOV.BR. Segunda Proposta Governo Federal. 19 de abril de 2024. Disponível em: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/governo-propoe-ampliacao-de-reajuste-e-reestruturacao-das-carreiras-das-instituicoes-federais-de-ensino

GOV.BR. Terceira Proposta Governo Federal. 15 de maio de 2024.

INEP. Censo da Educação Superior. Principais resultados – 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados

INSS. Dados Previdência Social. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/dados-estatisticos-previdencia-social-e-inss

RAIS-MTE. Dados sobre emprego formal. Disponível em: https://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_isper/index.php

SARTRE, Jean-Paul. O idiota da família. Gustave Flaubert de 1821 a 1857. V. 1. Porto Alegre, LP&M, 2013.