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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 19/04/2025 - Notícias

Povos indígenas nas Universidades Federais de Goiás: avanços, desafios e protagonismo

Adufg-Sindicato entrevistou a primeira professora indígena da UFG e elencou principais ações e desafios enfrentados pelas universidades federais de Goiás

Povos indígenas nas Universidades Federais de Goiás: avanços, desafios e protagonismo

O Dia dos Povos Indígenas é celebrado no Brasil  em 19 de abril, e com ele, universidades em todo o país se voltam para uma reflexão necessária: quais são os avanços e os desafios na inclusão dos estudantes indígenas no ensino superior?  Às vésperas da COP 30, que ocorrerá no Brasil em 2025 e trará os povos originários ao centro das discussões, iniciativas acadêmicas se consolidam como pontes entre ciência e ancestralidade.
 
A professora Eunice Tapuia fez história ao se tornar a primeira professora indígena concursada da Universidade Federal de Goiás (UFG). Desde maio de 2024, ela leciona sobre epistemologia indígena no curso de Licenciatura em Educação Intercultural, um programa voltado exclusivamente para estudantes indígenas. 

Em entrevista ao Adufg-Sindicato, ela conta que percebe que a pauta tem ganhado destaque e se traduz em ações concretas para garantir o acesso e a permanência desses estudantes. Segundo ela, a UFG tem dado passos importantes nos últimos anos, especialmente após a implantação da Lei de Cotas. 

"O número de estudantes indígenas aumentou bastante. Além disso, oferecemos bolsas de auxílio permanência, acesso ao restaurante universitário e outras políticas básicas, mas fundamentais, para que esses estudantes consigam continuar seus estudos aqui", afirmou.

Entretanto, ela ressalta que ainda há muito a ser feito, principalmente no que diz respeito ao acesso de indígenas que moram em aldeias. "Nós, indígenas que somos aldeados, enfrentamos muitas dificuldades para entrar na universidade. E quando conseguimos, é ainda mais desafiador permanecer até a formatura", explica.

A disparidade entre indígenas das cidades e os que vivem em aldeias é apontada como um ponto crítico. Embora reconheça o direito de todos os povos indígenas ao ensino superior, a professora chama a atenção para a diferença nas trajetórias educacionais. "Os indígenas que estão nas cidades têm mais facilidade para acessar a universidade. Não podemos comparar realidades tão distintas", disse.

A mudança de ambiente, somada ao choque cultural, impõe um peso ainda maior aos jovens indígenas. “Sair da comunidade e ir para a capital é um salto imenso. A universidade é um mundo novo, onde impera o individualismo e o capitalismo. Isso contrasta com o nosso estilo de vivência coletiva. É uma das maiores dificuldades”, revela.

ENEM

De acordo com a professora, um dos principais entraves está relacionado ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), porta de entrada para a maioria das universidades públicas. "O tempo que temos para nos preparar é um desafio. Precisamos conciliar os estudos com os saberes tradicionais, que são igualmente importantes nas nossas comunidades", destaca.
 
Para ela, é urgente repensar o processo seletivo das universidades, especialmente o ENEM. “Os nossos alunos das comunidades não têm as mesmas oportunidades. O ENEM cobra apenas os saberes científicos, mas nas comunidades os estudantes também estão imersos nos conhecimentos tradicionais. É injusto exigir o mesmo desempenho de alguém que estudou nas cidades e teve acesso a outra estrutura educacional”, pondera.
Saúde mental

Eunice Tapuia destaca ainda a importância de oferecer suporte emocional, mental e espiritual aos estudantes indígenas, propondo que as instituições criem espaços que favoreçam a coletividade. “A universidade precisa pensar em formas de acolher os indígenas como grupo. Precisamos de espaços onde possamos desenvolver atividades coletivas, nos encontrar, manter viva nossa cultura e fortalecer uns aos outros. Ainda não avançamos nesse aspecto, mas é algo fundamental.”

Além de sua atuação em defesa dos direitos dos povos indígenas dentro da universidade, a professora também integra o Núcleo de Formação de Professores Indígenas da UFG, onde trabalha diretamente com cursos voltados à capacitação de novos educadores indígenas.

“Esse curso tem sido uma ferramenta importante para preparar professores que vão atuar em suas comunidades, respeitando os saberes tradicionais e dialogando com o conhecimento acadêmico. Mas ainda há muito a melhorar. Precisamos ampliar a estrutura, pensar em políticas específicas e garantir que esses professores voltem para suas aldeias com condições reais de exercer a profissão com dignidade”, conclui a professora. 

Principais ações da Universidades Federais de Goiás

Em um cenário de crescente valorização dos saberes tradicionais, as Universidades Federais de Goiás (UFG, UFJ e UFCAT) vêm desempenhando papel central na inclusão, formação e valorização dos povos indígenas no ensino superior. 

UFG: formação intercultural e saúde indígena

Desde 2006, a Universidade Federal de Goiás (UFG) oferta o curso de Licenciatura em Educação Intercultural, voltado exclusivamente para a formação de professores indígenas. O curso é conduzido pelo Núcleo Takinahakỹ e conta com quase 300 alunos ativos de 35 povos diferentes, oriundos de cinco estados (GO, MT, MA, TO e MG). As aulas seguem a pedagogia da alternância: parte ocorre nas comunidades indígenas e parte na UFG, em Goiânia.

Com um corpo docente interdisciplinar, formado por linguistas, biólogos, matemáticos, historiadores e antropólogos, a formação busca fortalecer a educação escolar indígena, respeitando e valorizando saberes tradicionais. O curso é financiado pelo Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind).

Além da formação docente, a UFG mantém o Programa de Saúde Indígena, que acompanha estudantes indígenas durante a graduação e prepara futuros profissionais da saúde para atuação junto a essas populações. A iniciativa inclui rodas de conversa sobre bem-viver e já recebeu doações de medicamentos antiparasitários. A universidade também investe na inclusão digital por meio do Projeto Letramento Digital, voltado para estudantes indígenas e quilombolas.

A presença de indígenas na UFG contribui não só para o fortalecimento de suas comunidades, mas também para a autorreflexão institucional sobre práticas pedagógicas, o avanço da ciência e a valorização da diversidade cultural. A universidade promove ainda políticas específicas de ingresso e incentiva a participação de mulheres indígenas no ensino superior.

UFJ: ações afirmativas e valorização cultural

A Universidade Federal de Jataí (UFJ) atua na valorização dos povos indígenas por meio do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) e do programa UFJ Para Todos. O NEABI desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão voltadas à valorização das culturas negra e indígena, promovendo respeito à diversidade e pensamento crítico.

O UFJ Para Todos é uma política de ação afirmativa que reserva vagas no ensino superior e na pós-graduação para estudantes indígenas e quilombolas, desde que tenham cursado o ensino médio integralmente em escolas públicas. O programa também participou de iniciativas como o UFG Inclui, que ampliou o acesso ao ensino superior.

UFCAT: articulação política e ações emergenciais

A Universidade Federal de Catalão (UFCAT) tem se destacado pela atuação direta em questões emergenciais. A instituição firmou uma parceria com o Ministério dos Povos Indígenas (MIP) para atuar em ações humanitárias no território Yanomami. A cooperação foi firmada em reunião entre a reitora da UFCAT, Roselma Lucchese, e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.

Em 2025, a UFCAT participará da Semana dos Povos Indígenas, e promoverá mesas-redondas, debates, apresentações e atividades culturais. O evento reforça o compromisso da universidade com os direitos dos povos originários, conforme estabelecido pela Constituição Federal e pela Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, que garantem o direito à educação em línguas próprias e a preservação das tradições e culturas.

Desafios persistentes

Apesar dos avanços, os povos indígenas ainda enfrentam inúmeros desafios no ensino superior, incluindo o preconceito, a invisibilidade, a violência simbólica, a exclusão de saberes tradicionais dos currículos e as ameaças territoriais como o garimpo ilegal e a tese do marco temporal.

A presença indígena nas universidades, como a dos Tapuia, Yny Karajá e Avá-Canoeiro em Goiás, é um passo decisivo para garantir a autodeterminação e a continuidade cultural dos povos originários, reforçando a importância de políticas públicas específicas e permanentes.

Com iniciativas inovadoras e parcerias institucionais, as universidades federais goianas vêm se consolidando como espaços de resistência, protagonismo e transformação social para os povos indígenas no Brasil.

Neste Dia dos Povos Indígenas, o foco recai não apenas na celebração da cultura e da identidade dos povos originários, mas também na luta por uma educação mais justa e inclusiva. A atuação das universidades federais de Goiás demonstra avanços, mas também evidencia que o caminho rumo à equidade ainda exige esforços contínuos e políticas específicas que respeitem as particularidades de cada povo.