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Em Águas Lindas de Goiás, Faculdade de Medicina consegue abrir curso sem aval do MEC
Instituição pertence à mesma família de outra escola que também inaugurou graduação por via judicial; alunos correm risco de perder disciplinas cursadas; faculdades afirmam ter gestões diferentes e culpam demora do governo, que diz seguir a fila
Por Estadão
A Faculdade Mauá abriu o vestibular para um curso de Medicina em Águas Lindas de Goiás sem aval do Ministério da Educação (MEC). Isso foi possível graças a uma autorização judicial. A situação é similar à de outras oito instituições de ensino que recorreram à mesma medida, deixando os alunos diante da incerteza sobre se poderão concluir a graduação.
A liminar liberou o funcionamento do curso até que o MEC avalie o credenciamento do curso. No entanto, dias após o início das aulas, o MEC indeferiu o pedido da faculdade, que entrou com recurso.
A Faculdade Mauá de Goiás pertence à mesma família dona da UniMauá, com sede no Distrito Federal, que também já havia iniciado as aulas por meio de liminar. Semanas após a decisão judicial, porém, o ministério indeferiu o registro da UniMauá. Dessa forma, os alunos de Brasília continuam tendo aulas, mas o curso pode ser suspenso. A Faculdade Mauá de Goiás repete a estratégia. Procuradas, as faculdades dizem ter condições adequadas para oferecer o curso (leia mais abaixo).
A Mauá de Goiás tem como sócios Ciro Augusto Teles Lima e João Paulo Teles Lima. Já a UniMauá, do DF, tem como proprietária Dilcia Teles Lima e como gestor administrativo Ciro Augusto Teles Lima, segundo o site da própria faculdade. As duas graduações de Medicina também têm o mesmo professor na coordenação.
Em nota, a Mauá de Goiás afirma que, do ponto de vista jurídico, “não existe relação entre as faculdades”, com diferentes CNPJs e composições societárias. “Apesar dessas distinções, o fato de pertencerem à mesma família aproxima as IES (instituições de ensino superior)”, diz.
A instituição justificou a abertura sem autorização do MEC “porque a oferta é semestral e se o MEC demorar mais 30 dias” para dar a autorização “o semestre estará perdido”. Na época da abertura, a pasta não havia finalizado a análise do pedido.
Já a UniMauá, do DF, afirma que os dois cursos, apesar de pertencerem à mesma família, têm personalidades jurídicas diferentes e não compõem o mesmo grupo econômico.
O ministério, por sua vez, afirma que tem analisado os pedidos para abrir cursos por ordem de antiguidade (leia mais abaixo). Não existe um prazo para análise das solicitações.
Especialistas criticam a judicialização dos cursos de Medicina, uma vez que isso desorganiza a fila e eleva os riscos de graduações que não atendam a todos os critérios de qualidade necessários. Já as faculdades falam em demora do governo federal como justificativa para recorrer aos tribunais.
Vestibular com 120 vagas e descontos para 1ª turma
No vestibular da Facudade Mauá, foram ofertadas 120 vagas, com início das aulas no último dia 12. Assim como a Unimauá, do DF, a instituição dá desconto na mensalidade da turma estreante - o valor cai de R$ 10,5 mil para R$ 7 mil.
O pedido de abertura do curso da Faculdade Mauá de Goiás foi feito em 2022, mas foi concluído apenas em julho deste ano. Por isso, no início do ano, a instituição acionou a Justiça para que pudesse abrir o curso antes de o processo terminar.
Uma liminar de junho deu o direito para que a faculdade fizesse o vestibular e iniciasse as aulas. “A Faculdade MauáGO apresentou pedido ao MEC, atendeu a todos os requisitos legais e espera que o MEC cumpra seu papel regulador dentro da legalidade e autorize o curso”, continua a instituição.
Segundo a instituição, o curso de Medicina da Mauá de Goiás recebeu nota máxima em avaliação feita pelo MEC e teve recomendação do Conselho Nacional de Saúde sobre a necessidade social, já que Águas Lindas tem 0,77 médico por mil habitantes (dentro do limite fixado pelo MEC, de até 3,73 médicos por mil habitantes). Procurado, o ministério não informou o resultado dessa avaliação.
Quais são os critérios analisados pelo MEC?
O processo do curso de Medicina da Mauá passou em março para a fase de parecer final na avaliação do MEC, que consiste na verificação de alguns critérios, entre eles:
- necessidade social do município onde o curso será aberto
- existência de infraestrutura e serviços adequados e suficientes no SUS local
- total de leitos, equipes de atenção primária, hospitais conveniados e programas de residência
Essas regras foram definidas pela portaria 531/2023, do MEC, e são aplicadas aos pedidos de abertura de cursos feitos entre 2018 e 2023, enquanto valia uma moratória que suspendeu novas graduações.
A Faculdade Mauá argumentou à Justiça que a demora do ministério em analisar o processo expõe uma “estratégia para evitar a finalização dos processos administrativos que envolvem autorização do curso de Medicina”.
O MEC, por sua vez, diz que todos os pedidos de novos cursos (ou para mais vagas nos cursos já existentes) estão sendo analisados por ordem de antiguidade. Segundo a pasta, o processo demora devido às diversas etapas de análise.
A pasta informou que chegou a receber 369 processos, sendo 335 de autorizações para novos cursos e 34 de aumento de vagas. Isso é próximo do total de cursos existentes (389). Se todos os pedidos fossem aprovados, o País teria 60 mil novas vagas de Medicina.
A pasta diz ter dividido as solicitações conforme as regras vigentes na época de cada uma delas. Isso torna o processo “altamente complexo do ponto de vista burocrático”, diz o ministério.
Das instituições que recorreram à via judicial, uma delas acabou ganhando aval do MEC: a Faculdade Santa Teresa, em Manaus. Já outras faculdades que abriram o curso por liminar tiveram, mais tarde, pedido de registro negado pelo ministério. É o caso não só da UniMauá, do DF, e da Faculdade Mauá de Goiás, como também do Centro Universitário Facens, de Sorocaba (SP).
O MEC diz que “tem adotado as medidas judiciais cabíveis para assegurar o reconhecimento da ilegalidade da oferta do curso e, com isso, interromper a continuidade do curso oferecido nesta condição”.
Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou a constitucionalidade da Lei dos Mais Médicos - que considera a demanda social e a estrutura de saúde pública da região - para a abrir novos cursos na área.