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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 21/08/2024 - Na mídia

Quais os impactos para o Brasil de formar menos pesquisadores

Dados da Capes mostram queda na quantidade de vagas ocupadas em cursos de mestrado e doutorado. Impactos de diminuição do interesse na pós-graduação podem vir a curto, médio e longo prazo

 Quais os impactos para o Brasil de formar menos pesquisadores
Estudante na Universidade De São Paulo - Amanda Perobelli/Reuters - 17.mar.2020

Por Nexo

Dados da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) mostram que houve redução no número de vagas ocupadas na pós-graduação no Brasil. Vinte e um por cento dos postos no mestrado e 25% dos postos no doutorado estavam ociosos em 2020. Os anos seguintes registraram diminuição na quantidade de ingressantes.


Colhidos na Plataforma Sucupira, da Capes, e veiculados em 2024 na sua proposta preliminar de Plano Nacional de Pós-Graduação, os dados demonstram os impactos da pandemia de covid-19 sobre os programas de mestrado e doutorado no Brasil. Também atestam a queda de interesse de recém-graduados por esses cursos. O quadro gera impactos de curto, médio e longo prazo para a ciência e o desenvolvimento do país.

Neste texto, o Nexo apresenta os dados da Capes e explica quais são as hipóteses para o aumento do desinteresse pela pós-graduação. Mostra também quais são os impactos de haver menos vagas ocupadas no mestrado e doutorado no Brasil. 

O que os dados mostram

Os dados veiculados na versão preliminar do Plano Nacional de  Pós-Graduação mostram que o Brasil contabilizou em 2022 um estoque de 0,7% das pessoas de 25 a 64 anos com mestrado e 0,3% com doutorado. Os percentuais são baixos em comparação com as médias dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Neles as proporções são as seguintes:


14,1%


das pessoas de 25 a 64 anos nos países da OCDE têm mestrado, percentual muito maior que o do Brasil 


1,3%


das pessoas de 25 a 64 anos nos países da OCDE têm doutorado, taxa cerca de quatro vezes maior que a do Brasil 


A quantidade de ingressantes nesses cursos caiu nos últimos anos, depois de anos de avanços constantes, segundo os números da Capes. Houve queda de 10% no número de novos alunos no mestrado e no doutorado em 2020 em relação ao ano anterior. O crescimento foi retomado em 2021, mas voltou a diminuir em 2022, alcançando patamar próximo do de 2015.

Gráfico de barras mostra evolução no número de ingressantes na pós-graduação de 2015 a 2022. Números caem a partir de 2020.

A quantidade de titulações (conclusões do curso) na pós-graduação também diminuiu nos últimos anos. A queda foi de 15% em 2020 em relação ao ano anterior. Houve, no entanto, uma retomada gradual nos números nos anos seguintes, com variações por níveis de formação (mestrado ou doutorado).

Gráfico de barras mostra evolução no número de títulos concedidos de 2011 a 2022. Números caem a partir de 2020.

Vinte e cinco por cento dos cursos de mestrado de 20 das 49 áreas de conhecimento existentes tiveram procura menor do que a oferta de vagas, segundo os dados. No doutorado, 19 áreas registraram pelo menos 25% de seus cursos com relação negativa de candidato/vaga. A queda de ingressantes foi maior em áreas como as engenharias e as ciências biológicas:

Gráfico de barras mostra evolução no número de ingressantes em programas de pós-graduação, por área de conhecimento.

O que explica a queda nos números

A pandemia de covid-19 é um dos motivos citados pela Capes para a interrupção do crescimento de ingressantes e titulações nos cursos de mestrado e doutorado no Brasil. “A suspensão de atividades presenciais retardou o ingresso de novos estudantes, além de afetar o andamento de pesquisas em curso”, escreveu a fundação na versão preliminar do Plano Nacional de Pós-Graduação. “É preciso considerar também o impacto econômico sobre os segmentos discentes mais vulneráveis.”


Os pedidos de prorrogação de prazos de conclusão de curso foram facilitados durante a pandemia — o que pode explicar a queda nas titulações nos últimos anos. “Se for este o caso, estamos diante de uma situação de retenção de diplomação, com expectativa de retomada do crescimento nos próximos anos, mas cuja velocidade ainda demandará acompanhamento cuidadoso.”

 

A pandemia, no entanto, não é a única razão apontada para os números. Fatores não relacionados à covid-19 também podem justificar o aparente desinteresse de recém-formados pelo ingresso em cursos de pós-graduação, segundo a Capes. Estão entre as hipóteses levantadas pela fundação: 

  • saturação de programas de pós-graduação
  • distribuição desigual do acesso a esses cursos no país
  • processos seletivos exigentes, orientados para perfis específicos
  • inadequação do perfil dos candidatos ao programa
  • baixa atratividade da oferta e da carreira científica
  • aspectos sociodemográficos dos estudantes

 

O tempo de formação de um doutor é de mais de 20 anos, considerando o período desde o ensino fundamental, segundo Eduardo Colombari, professor titular de odontologia no campus de Araraquara da Unesp (Universidade Estadual Paulista). “É preciso muita resiliência e o que tem acontecido é um grande desestímulo financeiro e social que dificulta  aos mais jovens a busca por essa formação”, escreveu em artigo para o site The Conversation republicado pelo Nexo:


“Fato é que o investimento na educação, em especial na formação dos doutores, vem se deteriorando há décadas. O valor das bolsas de pós-graduação não é suficiente para que o doutorando se dedique em tempo integral à sua formação intelectual. Para agravar esse cenário, a pandemia de covid-19 acelerou o processo de desmotivação para cursar ensino superior que vinha se delineando”.

 

De quando vêm esses problemas

Esses problemas vêm desde antes da pandemia, segundo Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. “O fato de ter havido uma redução de investimentos na área de ciência e tecnologia trouxe resultados bastante negativos para o país”, disse ao Nexo. “É uma crise que possivelmente vem de anos.”

 

As bolsas federais de pesquisa para estudantes de programas de mestrado e doutorado passaram uma década sem reajustes no Brasil. De 2013 a 2022, os valores pagos aos pesquisadores tiveram, na prática, uma redução de 66,6% por conta da inflação no período. Os pagamentos foram reajustados apenas em 2023. 


40%
foi o reajuste feito nas bolsas de mestrado e doutorado em 2023


Medidas como o teto de gastos, no governo de Michel Temer (2016-2018), e o desinvestimento na educação e na ciência, no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), fazem parte desse contexto. A crise, no entanto, vem de antes, segundo Ribeiro. Mesmo no governo de Dilma Rousseff (2013-2016), do qual ele foi ministro da Educação, em 2015, houve dificuldades em investir na área.


Outros fatores

INCERTEZA DE EMPREGO

Incertezas sobre emprego após o doutorado podem estar entre os motivos que afastam recém-formados da pós-graduação. “O início de carreira em uma universidade federal ou estadual está em valores muito defasados em relação às expectativas de um profissional após mais de 20 anos de formação”, escreveu Colombari no The Conversation. Além disso, as indústrias no Brasil não absorvem doutores.

PERFIL DOS ESTUDANTES

A desaceleração do crescimento de matrículas na graduação nas universidades públicas também pode explicar a queda de ingressos no mestrado e doutorado. Estudantes dessas instituições tendem a buscar mais a pós-graduação após a formatura. Grande parte dos novos formados, segundo análise publicada na Revista Pesquisa Fapesp, é de universidades privadas, sem interesse em se tornar mestres e doutores.

UNIVERSIDADES PRIVADAS

Colombari também escreveu no The Conversation que o percentual de doutores no quadro de professores nas universidades privadas é muito baixo em comparação com o das públicas. “O Ministério da Educação precisa exigir delas o nível de educação que é pedido aos professores nas universidades públicas”, disse. Essa mudança poderia absorver doutores formados e tornar a carreira mais atrativa.


Quais são os impactos do cenário

A queda do interesse em programas de mestrado e doutorado traz impactos de curto, médio e longo prazo para o Brasil. A quantidade e a qualidade da produção científica dependem da formação de pesquisadores, e sem eles pode haver menor avanço do conhecimento científico. Outros impactos incluem: 

  • redução da geração de tecnologias e inovações
  • menos possibilidades de desenvolvimento econômico
  • menos oportunidades de inclusão social por meio da pesquisa
  • menos recursos humanos (professores) para formar novos profissionais na educação superior
  • menos capacidade do país de enfrentar problemas sociais
  • redução da atratividade do país para o exterior 


Ribeiro afirmou que os impactos variam dependendo da área de pesquisa. “Curiosamente, contra o que muitos pensariam, se compararmos os dados de publicações de artigos científicos entre 2019 e 2022, notamos que houve uma queda na produção de todas as áreas, exceto humanidades e ciências humanas e sociais. É algo que precisaria ser mais bem explicado”, disse.


Ainda não é possível avaliar quais serão os efeitos do reajuste nas bolsas de mestrado e doutorado em 2023. Mesmo assim, segundo Ribeiro, as perdas são grandes. “Perdemos vários anos. Perdemos na formação de profissionais da graduação, de mestres e doutores e também no ensino médio. Tudo isso precisa ser restabelecido e recriado, o que não é fácil”, afirmou. 


“Investimento é a palavra que vem à boca de todos nós, mas [mudar o cenário] também depende de mudar a concepção do que foi feito e está no horizonte”, disse. “Temos o grande problema de não termos feito o trânsito das áreas tradicionais de ensino para outras — talvez mais pujantes, criativas e interdisciplinares — no mestrado e doutorado, e também na graduação.”