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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 03/07/2020 - Notícias

ARTIGO: Os desafios dos docentes em tempos de pandemia e de novas tecnologias de ensino

Artigo escrito pelo professor Romualdo Pessoa

ARTIGO: Os desafios dos docentes em tempos de pandemia e de novas tecnologias de ensino

Em artigo, o professor Romualdo Pessoa fala sobre os desafios dos docentes diante da pandemia e de novas tecnologias. Confira:

Estamos vivendo um período de ebulição, em todos os setores da sociedades e que envolve indistintamente a todos os segmentos sociais. Quero me dedicar aqui a analisar as condições pelas quais estão passando nós, professores universitários, em meio a um distanciamento social que fechou as escolas, universidades, institutos tecnológicos, enfim, todos os ambientes de ensino presencial. E isso tem nos jogado para uma realidade inesperada, embora a humanidade já venha se deparando com transformações tecnológicas que impõe a todos nós, homens e mulheres, a tarefa de estarmos acompanhando essas mudanças. Sob pena de ficarmos ultrapassados no tempo e nos enquadramos no perfil de “analfabetos digitais”.

Como consequência disso tudo, e da necessidade de seguirmos cumprindo nossos objetivos, enquanto profissionais do ensino, que é dar aulas, sermos professores, mestres, no sentido literal que essas palavras carregam em suas origens, precisamos saber como transmitir o conhecimento necessário àqueles jovens que estão nas escolas. E, no nosso caso particular, visto que sou professor de ensino superior, como nos comunicamos em tempos de isolamento social, de pandemia que nos aflige e nos impõe o distanciamento, nas universidades.

Nós temos três desafios em um só. Somos docentes de universidades públicas, que se sustentam em um tripé que compõe o arcabouço de nossas atividades na busca pelo melhor conhecimento científico: o ensino, a pesquisa e a extensão.  Ou seja, o que ensinamos deve ter bases científicas e estar conectado com a sociedade, servir a esta, com aquilo que produzimos e comprovamos eficiente para que consigamos atingir um grau de civilização mais inclusiva, solidária e com melhores índices de igualdade social.

A crise sanitária que atravessamos, e que potencializa uma crise econômica tanto conjunturalmente como estruturalmente, nos deixa em meio a indagações sobre quais as melhores estratégias para superar situações que nos limitam em nossas atividades didáticas e pedagógicas. Há, no entanto, uma constatação para mim óbvia, precisamos de todas as maneiras encontrar alternativas que nos permitam ministrar nossas aulas. Não somente porque foi para isso que nos tornamos professores, como também porque não podemos considerar aceitável que dezenas de milhares de jovens que adentraram a universidade atrasem o seu tempo de formação e consigam atingir logo seus objetivos, que é obter um diploma de curso superior.

Sabemos, e pesquisas indicam isso, que o pós-pandemia nos trará um ambiente de fortes disputas no mercado de trabalho, como consequência do desemprego em massa que decorrerá da falência de muitas empresas, principalmente de pequenos negócios onde se concentram a maioria dos empregos. Isso acentuado pela incompetência e incapacidade de um governo que desdenha da vida humana e nitidamente se omite diante da necessidade de agir com urgência, mediante a intervenção do Estado, para salvar essas empresas. O que se vê, infelizmente, vai na direção contrária. Com uma atitude que denominamos de “necropolítica”, o obscurantismo e o negacionismo são os condutores de uma política irresponsável e criminosa que deixará o país em péssimas condições políticas, econômicas e sociais, ao final dessa pandemia.

Nesse cenário provável, a formação acadêmica será um diferencial para a juventude na disputa por um mercado de trabalho absolutamente em forte disputa. Por isso, para além das preocupações com as dificuldades que enfrentamos, esse olhar para mim é o mais importante, e o que deve ser motivador de nossas buscas por saídas que possam amenizar esses desesperos que estão afetando uma legião de jovens que olham para o futuro com mais incertezas do que naturalmente já acontece.

Mas como podemos fazer isso? Nesse aspecto as discussões são intensas e não há consensos. Tenho participado delas, e por características não me omito e defino claramente minhas posições. Embora isso não signifique, necessariamente, discordar de argumentos que colidem com a maneira como vejo a saída para essa situação. Procuro partir, no entanto, desse aspecto que para mim é o mais importante: não podemos estender o tempo de formação dos nossos alunos e alunas indefinidamente. Embora devamos fazer isso tendo sempre presente que a qualidade dessa formação é essencial não somente para eles, mas para que as universidades cumpram aquilo que vem desempenhando em nosso país, formar jovens com qualidade acadêmica e imbuídos de valores éticos.

A discussão mais importante que temos enfrentado gira em torno do trabalho remoto nas universidades públicas. Ou, da necessidade, em função de uma indefinição quanto à volta à normalidade, de encontrarmos uma saída para oferecermos a essas dezenas de jovens que estão sem aulas. O ensino remoto tem sido oferecido já por algumas universidades, inclusive as mais importantes, como a USP e Unicamp, assim como caminha para isso a UFRJ e outras que já estão nesse processo de discussão. Naturalmente isso implica em várias questões, tanto do ponto de vista tecnológico, e aí inclusivo, em função da necessidade de não deixarmos ninguém de fora, como também que isso não seja considerado como uma substituição em definitivo de aulas presenciais. Mas que se torne somente uma alternativa para o tempo em que durar a pandemia, e enquanto a ciência trabalha para encontrar uma vacina que nos livre desse maldito vírus. Embora saibamos que muita coisa do que aprendemos a lidar agora se tornará no pós-pandemia também partes de nossas rotinas.

Creio que a Universidade precisa sair da condição de uma instituição conservadora, no tocante à aceitação às novidades que lhe cerca. Por muito tempo venho criticando um comportamento refratário do mundo acadêmico às inovações, mesmo em se tratando de aspectos metodológicos e pedagógicos, que nos coloca numa espécie de redoma, que termina nos distanciando das transformações tecnológicas em curso.

Por exemplo, estamos testemunhando uma nova geração surgindo já adequada às ferramentas digitais, e se nos anos 70 e 80 a televisão era o instrumento que distraía a atenção das crianças, e as faziam se comportar enquanto estivessem em frente aos programas infantis e desenhos animados que desfilavam pelos canais de tv, hoje são os smartfones que dividem com as chupetas as preferências desde os berços. São incontáveis o número de adolescentes, ou pré-adolescentes, ainda na faixa de dez anos de idade, que se tornam destaques em redes sociais, os famosos “youtubers”, que já demonstram enorme facilidade em lidar com as plataformas tecnológicas virtuais.

Ora, seguindo-se esse processo, que só se acentua na direção de novas e mais sofisticadas tecnologias, como estarão as cabeças desses jovens quando entrarem em um curso superior, nas universidades? Com quais ferramentas estaremos lidando para não tornar esse período em que os teremos como alunos e alunas, entediante e sem ânimo para prosseguir em suas escolhas? Temo que, caso não nos adequemos às novas realidades que já existiam e que despontarão agora com muito mais força no pós-pandemia, não conseguiremos enfrentar o desafio de formar as novas gerações adequadas às suas formas de se situarem e conviverem em uma sociedade tecnologicamente desenvolvida.

Claro, que no meio disso tudo a preocupação com a inclusão social não pode ser enfraquecida, muito pelo contrário. Naturalmente essa é uma luta que vai se tornando difícil na medida em que a escolha da sociedade recai sobre governos ultraconservadores, de extrema-direita, que tem essas instituições como alvo para travar uma guerra cultural a fim de impor valores egoístas, meritocráticos e no interesse de uma elite perversa e entreguista. Mas é preciso que saibamos travar essas lutas simultaneamente, caso contrário poderemos perder essas próximas gerações para os discursos vazios de uma empolgação envolvida por novidades tecnológicas deslumbrantes, e inteligências artificiais, desconectadas de uma realidade social perversa.

Posto isso, não tenho dúvidas que devemos implementar urgentemente novas formas de lidarmos com o ensino nesses tempos de isolamento social. As universidades federais não podem se limitar, por sua importância na formação de uma grande massa de jovens, a desenvolver atividades de pesquisas (sem dúvidas o suporte do desenvolvimento científico nacional) ou de extensão (na sua relação necessária com a sociedade por meio de projetos e programas que envolvam comunidades), mas esquecendo o principal suporte de sua existência: o ensino. Que não deve ter na pós-graduação o elemento principal, porque este é a continuação do processo formativo que se inicia na graduação, onde estão envolvidos o contingente da comunidade universitária que corresponde praticamente a dois terços do que somos enquanto universidade.

Compreendo as preocupações de boa parte dos nossos colegas, em relação à algumas dificuldades que certamente advirão e que não podem significar uma sobrecarga em nossas atividades, à medida em que comprovadamente o trabalho remoto docente impõe muito mais envolvimento, além da confusão que passamos a conviver entre nossa atividade profissional e nosso cotidiano familiar. Além disso será necessário nos capacitarmos em plataformas digitais com as quais não possuímos afinidades. Essas são questões que precisam estar bem definidas e com necessário suporte das administrações/reitorias, mas não me parecem que sejam empecilhos para compreendermos a importância de oferecermos alternativas aos estudantes, e isso passa por aulas remotas, que se atentem à qualidade de ensino e metodologias adequadas.

Resta, no entanto, apresentar soluções para aquelas disciplinas, e áreas, que requerem o uso de laboratórios como condição necessária do aprendizado em algumas formações, bem como as aulas de campo, que não podem ser negligenciadas. A alternativa, nessas situações, é concentrar as aulas teóricas no período em que vigorar as atividades remotas, para nos semestres seguintes ao retorno à normalidade serem oferecidas essas demais disciplinas, que requerem metodologias que extrapolam as salas de aulas.

Tudo isso, contudo, não será possível se as instituições de ensino federais não disponibilizarem para todos, o aparato necessário para o acompanhamento das aulas. Isso significa dizer que, além da disponibilização de redes de dados gratuitos para acesso à internet, também a garantia de empréstimos de equipamentos que a universidade possui, em suas unidades e laboratórios – notebook e tabletes – mediante termos de concessão de uso, para alunos e alunas que comprovadamente se insiram em camadas sociais que não lhes possibilitam a aquisição desses equipamentos. Principalmente quem entrou na universidade pelo mecanismo de cotas étnicas e sociais. Algo que, me parece, já está em curso com um levantamento sendo feito para atender essas necessidades.

Que possamos assim, ir nos adequando a uma situação inusitada, imprevisível, e que tem nos causado enormes transtornos, afetando gravemente toda a nossa rotina de atividades, seja no trabalho, ou em nossas vidas sociais. Isso não significa dizer, no entanto, apesar de todos os transtornos e desconfortos que essa realidade nos causa, ficarmos inertes diante de uma situação que pode significar um atraso de dois semestres letivos (ou mais) na vida de dezenas de milhares de jovens.

Podemos fazer sim, essa flexibilização, o que não significa defendermos como definitivo a metodologia de aulas remotas. As universidades não podem prescindir do velho e bom debate presencial, na secular rotina que transpõe o tempo e nos leva à antiguidade, quando nas Ágoras os mestres provocavam seus discípulos no embate dialético, na confrontação dos contrários, e na necessária junção entre habilidade do conhecimento e a ânsia presente na juventude pelo descoberta do mundo que lhe cerca. Nos dias de hoje acompanhado da necessária preocupação com a formação profissional, condição essencial para se preparar para o mercado de trabalho.

O que a universidade não pode perder, e nós, docentes, mestres e doutores, devemos garantir, é uma formação universitária a essa juventude fundamentada em valores éticos, em princípios humanistas e, principalmente pelas adversidades que nos colocam à prova nesse momento, do altruísmo e da cooperação como elementos essenciais para a construção de uma sociedade mais justa, equânime, verdadeiramente democrática e com inclusão social.

Autor: Professor Romualdo Pessoa