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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 18/09/2023 - Jornal do Professor

Número de afastamentos por problemas de saúde mental cresce entre os docentes goianos

Número de afastamentos por problemas de saúde mental cresce entre os docentes goianos

Precarização da carreira, falta de con- dições apropriadas para exercer suas fun- ções, ausência de estrutura física e falta de valorização profissional estão entres os motivos que têm feito com que milhares de professores de todo o Brasil apresentem problemas de saúde mental, como depres- são, ansiedade e síndrome do pânico. Em Goiás, a situação não é diferente. Um levan- tamento feito pelo Jornal do(a) Professor aponta para um aumento do número de li- cenças tiradas e do número de dias de afas- tamento em razão de transtornos mentais e comportamentais.

Na Universidade Federal de Goiás (UFG), por exemplo, o número de afasta- mentos subiu de 21, em 2020, para 70 no ano seguinte. Em 2022, o índice atingiu 80 docentes. Em 2023, o número segue cres- cendo: de janeiro a julho foram registrados 54 afastamentos, ou seja 67,5% do total de todo o ano passado. No total, de 2020 até agora 225 professores precisaram ser afas- tados por problemas com a saúde mental.

O Jornal do(a) Professor(a) também entrou em contato com a Universidade Fe- deral de Jataí (UFJ) para solicitar o número de afastamento por transtornos mentais na instituição nos últimos anos. No dia 17 de agosto, a Coordenação do Subsistema Inte- grado de Atenção à Saúde do Servidor res- pondeu, por e-mail, que “poderia informar o quantitativo de afastamento e o motivo”. No entanto, os dados não foram enviados, mes- mo após uma nova cobrança da reportagem no dia 22.

Também procurada, a Universidade Federal de Catalão (UFCat), por meio da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, infor- mou que não poderia repassar os dados específicos da instituição. “O SIASS/UFCAT iniciou a realização das perícias médicas em abril de 2019, e até julho de 2023, a univer- sidade era uma ‘UPAG’ dentro do órgão UFG, ou seja, os relatórios gerados trazem infor- mações dos servidores das três instituições, não sendo possível a separação dos dados”, diz o e-mail encaminhado à reportagem.

Nas vozes dos profissionais

A reportagem conversou com a pro- fessora de Psicologia da Faculdade de Edu- cação da UFG, Gisele Toassa, para entender um pouco mais sobre o assunto. A docente reforçou a percepção geral que se tem de que crescem os casos de adoecimento men- tal no meio profissional, especialmente na docência. “Percebemos essa clara tendência de aumento, especialmente nos episódios depressivos”, especificou.

Gisele afirma que a depressão, a an- siedade e até crises de pânico estão entre as possíveis consequências da convivência cotidiana em um espaço de trabalho que ignora a saúde mental de seus colaboradores.

Pensando no meio acadêmico, Toassa cita alguns fatores que são determinantes para o adoecimento mental dos professores. A precarização da carreira, a falta de condi- ções apropriadas do trabalho, a hiperprodu- tividade demandada, o competitivismo aca- dêmico, assédio e desvio de funções podem ser situações que puxam o adoecimento. “O trabalhador, de uma forma geral, precisa se reconhecer no produto do seu trabalho, e ao mesmo tempo sentir que seu trabalho é efi- ciente”, resumiu.

A professora explica, ainda, que a cobrança por produtividade, as condições precárias do espaço de trabalho, alguns assédios e a competitividade entre os pares são resultados de uma estrutura pré-determinada que transcende o controle dos colabo- radores e gestores diretos. Por esse motivo, esses cenários são tidos muitas vezes como imutáveis, o que dificulta o tratamento de qualquer tipo de transtorno mental.

“Problemas que são de fato macroeconômicos e macro sociais acabam gerando adoecimento em massa que no entanto é interpretado como problemas individuais e biológicos”, resumiu. A culpabilização do indivíduo por questões impostas a ele por uma macroestrutura acaba agravando o quadro de saúde do professor.

A pesquisadora reforça que o adoeci mento mental se dá devido a múltiplos fatores, que transcendem o espaço profissional, entretanto, esse ambiente também precisa entender que o colaborador que trabalha ali existe para além dessa atividade. A empatia da instituição empregadora em momentos de adoecimento é fator determinante para uma boa recuperação, mesmo que o espaço profissional não seja a fonte de desgaste principal. Apesar de reconhecer que muitos dos fatores que favorecem o adoecimento mental estão fora do controle do indivíduo, a professora recomenda algumas práticas para combater o agravamento dessa situação. Exercícios físicos frequentes, sono em dia, alimentação balanceada, períodos de lazer, sessões regulares de terapia, uso de psicotrópicos em alguns casos (apenas sob prescrição médica), e também a acupuntura, são aliados na manutenção de uma mente e de um corpo saudáveis.

Quem vive na pele

O Jornal do(a) Professor(a) entrevistou um docente da UFG que já precisou pedir licença por questões de saúde mental. O professor – que prefere que seu nome não seja citado -, atua há sete anos na universidade. Seu relato corrobora a pesquisa realizada por Gisele Toassa.

Para o entrevistado, a dificuldade de conciliar a sala de aula com as demandas da pesquisa, a falta de estrutura física e de pessoal e desvios de função estão entre os motivos que o levaram ao adoecimento. O docente precisou pedir licença há poucos meses em razão de crises de pânico. Segundo ele, ao comunicar seu afastamento à direção, não sentiu acolhimento. “Recebi apenas a palavra ciente. A impressão que fica é que se tornou normal todo mundo ficar doente”, resume.

O professor é categórico ao afirmar que se sente como um número dentro de uma empresa, e não uma pessoa com a carga emocional e subjetiva que existe em todos. Quando questionado sobre seu retorno, após a licença, ele explica: “Vir trabalhar tem sido desanimador”. O docente garante que, enquanto os causadores desse adoecimento dentro do espaço de trabalho não forem tratados, outros casos continuarão a surgir. “A impressão que dá é de tentar maquiar os problemas”, desabafa.

Para o docente, no intuito de efetivamente combater esse adoecimento mental, a atuação da universidade deveria ir além de conceder afastamentos temporários: investimentos em infraestrutura, contratação de pessoal, canal eficiente para denúncias de assédio e maior controle sobre as demandas requisitadas são caminhos possíveis para en- frentamento do problema.

O que pode ser feito?

A professora Lívia Gomes, que é coordenadora da Pós-Graduação em Psicologia da UFG, pensando nos dados crescentes sobre adoecimento mental, explica que “enquanto a sociedade não pensar as relações de trabalho, esse número só vai aumentar”. A fala da professora também corrobora o posicionamento de Gisele Toassa: o crescimento dessas estatísticas não tem raiz individual, mas sim coletiva.

“Por mais individual que seja o adoecimento mental, por mais que ele repercuta num indivíduo só, as causas dele são sociais. Então, não adianta a gente resolver o adoecimento do indivíduo sem pensar nas condições que promoveram esse adoecimento”, resumiu.

Lívia, que tem como tema de pesquisa a psicologia do trabalho, reforça o que foi exposto até aqui. A sobrecarga de demanda, o limite turvo entre espaço pessoal e profissio- nal, a falta de condições de trabalho e os assé- dios institucionais são alguns dos principais fatores que levam ao adoecimento coletivo no meio profissional, especialmente na do- cência. Apesar de valorizar as práticas individuais para o tratamento da saúde mental, como terapia, exercícios e medicação, a profissional coloca a abordagem coletiva como única solução definitiva para a questão.

O que dizem as universidades

O Jornal do(a) Professor(a), diante dos dados crescentes sobre adoecimento mental do corpo docente, entrou em contato com a UFG, UFCAT e com a UFJ para saber se existem medidas específicas para combater esse aumento, e, caso existam, saber quais são.

A Universidade Federal de Catalão foi a única que respondeu, por meio do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS). O local conta com apenas duas servidoras, sendo uma médica perita e uma psicóloga da saúde. “As atribuições delas se embasam em ações de cunho pericial e ações de promoção de saúde, respectivamente. No que se refere às ações de promoção de saúde, são elas de caráter educativo por meio de organização e participação em eventos e campanhas internas, elaboração de materiais informativos, bem como acompanhamento de demandas específicas apresentada ao setor”, diz o texto enviado à reportagem.

Na resposta, a UFCat também garantiu que realiza “atendimentos psicológicos breves focais à servidores, grupo terapêutico semanal e reuniões estratégicas com cursos e outros departamentos a fim de abordar a temática de saúde mental, oportunamente”. Segundo a instituição, os programas voltados à saúde dos servidores estão parametrizados por políticas públicas vigentes e aplicados dentro dos limites possíveis da atual estruturação do SIASS.

A Universidade Federal de Goiás foi procurada por e-mail no dia 17 de agosto, mas não respondeu se há medidas para amenizar os problemas com saúde mental entre os docentes. O mesmo ocorreu com a Universidade Federal de Jataí, que não respondeu o questionamento feito nos dias 17 e 22.