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Autor: Ascom Adufg-Sindicato

Publicado em 05/02/2025 - Notícias

“Meu nome será cristalino, sem qualquer barreira de seletividade” diz professora Maria Zita Ferreira ao relembrar carreira até vitória no Prêmio Jaburu

“Meu nome será cristalino, sem qualquer barreira de seletividade” diz professora Maria Zita Ferreira ao relembrar carreira até vitória no Prêmio Jaburu

A cada giro, uma representação de força. A cada movimento, um relembrar da sua história. Há mais de 40 anos, a professora Maria Zita Fernandes constrói um legado com as artes cênicas e promove um diálogo entre presente e passado. Ela é a primeira mulher negra a ganhar o Prêmio Jaburu, a maior comenda cultural de Goiás, na categoria de artes cênicas. Zita tem a arte e a educação como ferramentas importantíssimas em sua vida e desde muito nova, quis levar a dança e a cultura do povo negro para a sociedade, principalmente a pessoas que não têm fácil acesso a cultura e a informação. 

Maria Zita cresceu em Floriano, no Piauí, às margens do Rio Paranaíba. Maria Zita destaca que sempre gostou de dançar os ritmos populares e que o instrumento preferido era o tambor. Fez parte de um grupo cultural dentro da igreja católica e foi incentivada a realizar a primeira apresentação de dança ainda no seu estado natal para mais de 8 mil pessoas. Para ela, dançar a transcende. Através da dança, aprendeu as vertentes que alimentam a cultura brasileira e encontrou-se direto com a sua ancestralidade.

“A dança me faz pensar. Me faz agir. Me dá a possibilidade de criar, à medida que eu compreendo a história do Brasil, as vertentes que alimentam a cultura brasileira. Assim eu consigo interligar o conhecimento sobre o movimento humano, os povos originários, os europeus enquanto colonizadores e os povos negros que vieram na condição de escravos da África”, destaca. 

A história dela com Goiás começa na década de 1960, quando a família teve que se mudar pro Centro-Oeste brasileiro devido a uma enchente que assolou a cidade. Na década seguinte, ingressou na Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia do Estado de Goiás (Eseffego), onde ela se formou em Educação Física.  

Ela conta que sempre teve facilidade com movimentos ligados aos malabares, que sempre ajudaram nas construções de movimentos das coreografias das suas apresentações, como estrelinha, ponte, espacate. 

Trajetória

Zita escreveu um livro: “Dança Negro, Ginga a História” que foi publicado a primeira vez em 1998. Ela retrata as relações entre dança, música, palavra e exercício, gestos diários, coletividade e ensinamento. 

Um pouco antes, em 1977, Zita integrou o corpo cênico do espetáculo Senzala, do Grupo de Dança Universética, que foi dirigido e coreografado por Lenir Miguel de Lima. 

Ela ainda é capoeirista e foi aluna do mestre Bimba, criador da Capoeira Regional. Os ensinamentos e a vontade de levar os conhecimentos que sempre tiveram como premissa os assuntos étnico-racial fizeram com que a pesquisadora coordenasse projetos de extensão em dança, capoeira, ginástica corretiva e apresentações artísticas. Os trabalhos foram parar em eventos educativos em Graz, na Áustria, em 2001. Além disso, foi professora de Dança na Universidade Federal de Goiás (UFG) e fez trabalhos na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).

Prêmio Jaburu

Um filme passa pela cabeça! Foi exatamente isso que Maria Zita sentiu ao saber que ia ser agraciada com a maior comenda da cultura do Estado. Para ela, é mais do que um reconhecimento pelas décadas de trabalho dentro das artes cênicas, mas demonstra também o tamanho da responsabilidade perante o mundo que pertence. 

Além disso, ela destaca sobre a importância de expressar, como a forma mais íntima do ser, sobre as origens africanas e ao seu pertencimento no espaço. Paralelo a isso, ela relembra ainda o mestrado em educação que ela fez, na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, onde discutia o movimento do oprimido na sociedade moderna. Ela se inspirou nas literaturas de Antônio Gramsci na perspectiva de que a pessoa pode vir de uma origem humilde e ser o que quiser, através do estudo.

“Se eu posso contribuir, eu sempre gosto de compreender a inteireza do ser humano para aquela contribuição, mesmo ela sendo muito pequenininha ou sem ênfase visual, mas eu estou lá, com o  espírito muito concentrado para que as coisas deem certo, em grupo, na coletividade ou em movimentos sociais. Eu gosto desse olhar para que o outro não sofra tantas barbaridades”, pontua. 

Liberdade 

Segundo Maria Zita, a liberdade foi ensinada dentro de casa, com os incentivos que os pais lhe davam para consumir as formas mais variadas de cultura. Por causa disso, ela teve condições de se expressar politicamente, como em situações que envolviam o racismo. Ela relembra que, quando estava no 2º grau (hoje ensino médio), ela participou de um concurso chamado “Miss Escurinha 70”. Zita conta que foi aprendendo o que era ser negro ao longo da participação do concurso. Apesar de tudo, ultrapassou os desafios e foi vencedora, mas questionou sobre situações que envolviam competitividade.

“Eu sempre gostei muito do meu povo. Eu vivia em um mundo muito humilde e, nesse ciclo, as pessoas, na sua maioria, eram pretas. Eu não tive muitas barreiras de encontro comigo mesma nessa perspectiva de redimensionar o olhar para os movimentos sociais. Entretanto, eu vi que entrei em um mundo competitivo. Naquele momento, eu me senti bem, mas eu não gostava disso porque nunca gostei da seletividade. Foi ali que tive noção do caminho que queria seguir”, destaca. 

Como pessoa negra, Zita foi vítima de preconceito, velado e explícito. Para ela, uma forma de superar isso, foi se apaixonar ainda mais pela característica de ser humano. Ela aponta que nunca gostou da separação de pessoas e nem de valorizar situações que alimentam o racismo, o machismo ou as discriminações como um todo.

Isso fez com que ela superasse uma situação de machismo que vivenciou dentro de casa. Apesar de todo amor que sentia pelo pai, Maria Zita e as irmãs não receberam o sobrenome Cristalino por parte dele. Ele foi repassado apenas para os filhos homens. “A paixão pelo papai era enorme, mas eu decidi que ia fazer meu nome acontecer pelos meus atos, as minhas atitudes na sociedade. O meu nome será cristalino, sem qualquer barreira de seletividade”, ressalta.

Sindicalizada 

Maria Zita é uma das professoras que são sindicalizadas e destaca ainda a importância da ocupação dos espaços do Adufg-Sindicato para promoção da cultura e difusão do conhecimento. “Aqui é uma morada pra mim. Eu venho aqui oferecer meus cuidados e conviver com os espaços construídos por nós. Eu ainda quero deitar nas redes que colocaram para os professores descansarem. E isso ainda vai lá na minha infância. A gente precisa entender esse processo de humanização. Ele é infinitamente complexo, mas aqui eu me sinto acolhida. É como se não tivesse parede e porta pra mim”, destaca.